Um peixe fora d´água?
Nutrição

Um peixe fora d´água?



Por Iamara Seara Medeiros, nutricionista

Há poucos dias li em uma revista a reportagem de um médico que falava sobre quatro problemas com a letra D na medicina: o paciente está despersonalizado; o profissional médico está desprofissionalizado; a assistência médica esta desumanizada; e a medicina está descaracterizada.

E quer saber? Concordo com ele. Como usuários que somos do sistema de saúde, sentimos na pele que nossa assistência está cada vez mais doente. Como cidadã, não vou além deste relato.

Agora, sob outro olhar: sou nutricionista, profissão que me acolheu e que abracei há 20 e pouco anos – nossa, como o tempo passou! Enquanto fazia o curso na Federal de Santa Catarina, nossos amigos médicos nos perguntavam se já tínhamos aprendido a fritar ovo, ficávamos indignadas! Eu e minhas amigas de faculdade nos perguntávamos onde iríamos atuar, área clínica, cozinha industrial? Iríamos nos dedicar bravamente para erradicar a desnutrição neste país? Sim, éramos na época um país onde as crianças morriam por desnutrição. As perguntas eram muitas e as respostas poucas, não sabíamos muito bem como e onde iríamos colocar em prática tudo o que aprendíamos. Lembrem-se, caros amigos: naquela época não tínhamos acesso à internet e tantos outros benefícios tecnológicos que hoje parece que sempre existiram, de tanto que estamos a eles acostumados.

O tempo foi passando e ser nutricionista foi ficando muito importante. Se há muitos anos tínhamos que explicar para os parentes e amigos o que fazia uma nutricionista, com o passar do tempo e o avançar da tecnologia, o mundo foi descobrindo o que uma nutricionista fazia e qual a sua importância.

Nestes longos anos, minhas dúvidas continuaram, pensei em desistir da profissão, muitas vezes me achava um peixe fora da água. Eu era nutricionista e adorava comer hambúrguer, brigadeiro, pizza, tomar leite com um bom pedaço de pão (que imaginem, têm lactose e glúten!). Comer banana, manga, abacate, que delícia! Mas muitas vezes estas frutas deliciosas são contraindicadas para quem quer perder peso... Não, não se iluda, você está proibido de comê-las, não importa o quanto são cremosas, nutritivas, cheirosas e o quanto dá agua na boca só de pensar nelas.

Resolvido o nosso papel entram os 4 “Ds” da Nutricão:

Desclassificamos o alimento
Determinamos o que o outro deve comer
Desconsideramos a individualidade
Deveríamos devolver a escolha pelo prazer de comer

Resolvendo os “Ds” em questão, os nutricionistas não devem ser simbolizadas por meio de figuras de maçãs, verduras e legumes, e sim com maçãs, verduras, legumes, arroz, feijão, brigadeiro, pizza, razão, emoção, qualidade, quantidade, sorriso, cheiro, paladar. Porque quando aprendemos que tudo isso faz parte de uma alimentação saudável, começamos a respeitar nosso corpo e nossa emoção. Não podemos separar nosso estômago do nosso coração, achando que teremos sucesso em classificar o alimento como o bom e ruim, o saudável e o proibido.

Como nós que somos procuradas para ensinarmos a comer saudável podemos dizer que existe o “dia do lixo”? Desde quando comida é lixo?

Onde foi que nos ensinaram que deveríamos rotular e classificar o comer desta forma?

Sem o indivíduo, o alimento perde sua propriedade. Sua função é alimentar o corpo e a alma, então vamos prescrevê-lo com respeito e individualidade.

Vamos ensinar que comer bem não é comer muito, assim como comer pouco também não é comer bem. Vamos ensinar que quando nosso corpo responde ao ver o alimento, responde ao cheiro, ao gosto, neste momento a conexão se fez, e negar isto é renegar toda nossa existência. Comemos porque é essencial e prazeroso e este estimulo trouxe a raça humana até os dias atuais. Comer e respirar são essenciais à vida, vamos tornar mais fácil o que cabe a nós!

Sendo assim, parabéns a todos os nutricionistas! E deixo aqui meu agradecimento e parabéns especial aos “nutricionistas Gentas”, que formam uma equipe de nutricionistas que ouve, acolhe, observa, conversa. Nutricionistas que devolvem aos seus pacientes a liberdade e o saber de comer com prazer, sem culpa, sem medo, sem ameaças. Assim se escolhe melhor, com mais cuidado, com mais conhecimento do seu próprio corpo. Sim, você é único para nós.

Não me sinto mais um peixe fora d’água, só estava nadando no lago errado.



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