Nutrição
Por que eu não paro de comer? Quem manda? Eu? Meu apetite?
Por Sophie Deram, nutricionista
“Eu quero comer certinho, mas minha fome é forte demais e difícil de controlar!”
“Eu faço dieta, consigo emagrecer e depois de um tempo não consigo mais manter minha disciplina e ganho tudo de volta, e às vezes mais”
“Não consigo emagrecer, não tenho força de vontade! É impossível para mim...”
Você se reconhece?Na verdade, não há nada de errado com você, e você não tem baixa força de vontade ou disciplina. O que você tem é uma adaptação fisiológica ao comer restritivamente, ou seja, ao fazer dieta.
Há 15 dias eu dei uma palestra no Congresso de Cardiologia e o tema foi genética, peso, apetite e gordura na visão da Nutrigenômica. O que é Nutrigenômica? É uma ciência nova que estuda como os alimentos “conversam” com os nossos genes, mudando a expressão deles. Esta ciência está revolucionando os conceitos da Nutrição. Deixe-me explicar em palavras simples o conteúdo da minha palestra.
Se você faz uma dieta restritiva, seu apetite aumenta. A resposta do seu corpo à restrição é de modificar o sistema hormonal, ligar genes atuando na gordura e aumentar o estresse, especialmente no cérebro. O corpo vai se adaptar a esta situação de fome (
starvation), ligando todos os genes para manter você vivo e funcionando, portanto aumentará o apetite para que você fique mais interessado em comer. Tudo isso para proteger você e te incentivar a comer mais para que você sobreviva!
Esta adaptação faz com que você procure mais comida, pois o corpo não entende que está temporariamente de dieta organizada para ficar magro, ele entende que você está estressado no seu meio ambiente e que está faltando comida.
Não é o estômago que lida com o seu peso, mas sim o seu cérebro. O centro da saciedade no cérebro é o centro que controla tudo: sua fome, saciedade e vontade de comer, isto é, o apetite. Hoje a pergunta na pesquisa sobre genética da obesidade não é mais “porque engordamos tanto?”, mas sim “porque não paramos de comer?”.
Quando se trabalha com obesidade e sobrepeso você vê a dificuldade que é de controlar o peso. Os obesos geralmente são mais disciplinados do que as pessoas magras com sua alimentação. Cada refeição é um dilema ou um estresse: “O que é preciso comer para não engordar?”. Isso é falta de disciplina? Não!
Quem geralmente tem menos disciplina com o que come são as pessoas magras que não se preocupam com comida.
Dieta não funciona?Sim, funciona, pois é claro que se você reduz a quantidade ou piora a qualidade (descartando grupos inteiros de alimentos) você vai emagrecer... No começo.
Mas pode não funcionar por um período longo.
A ciência mostra que 80-95% das pessoas fazendo dieta voltam ao peso inicial ou ganham mais após um período de 6 meses a 2 anos. Pior ainda, agora foi mostrado que depois de uma dieta restritiva, você não só alterou seu metabolismo basal, mas também o seu centro de fome/saciedade.
Quais são as adaptações do centro do apetite à dieta restritiva?- Reforça o apetite – você vai sentir mais fome, mais cedo. Têm hormônios e neurotransmissores envolvidos e a ação deles se desregula para incentivar a procura de alimentos. Você corre o risco de ter mais obsessão por alimentos (especialmente os “proibidos”)
- Aumenta o estresse e o risco de usar a comida como uma recompensa quando se está sob estresse
- Diminui o metabolismo basal
- Aumenta o risco de ter compulsões
- Promove baixa autoestima , e causa uma sensação de fracasso após recuperação do peso
Estas adaptações permanecem após parar a dieta. Uma dieta muito restritiva pode desregular o seu centro da saciedade por um tempo muito prolongado e colocar você num ciclo vicioso de efeito sanfona de perda e ganho de peso com a autoestima mais fracassada, mais gordura no corpo e mais apetite.
Quanto mais radical e mais peso você perde num período curto, mais você altera seu centro de fome/saciedade e mais riscos você corre de desenvolver compulsões por comida.
Fracasso na dieta não é fracasso de disciplina ou força de vontade, é uma adaptação de sobrevivência tão difícil de controlar quanto respirar! Você já tentou parar de respirar? Então você sabe que depois de um momento vem uma grande inspiração salvadora que permite que não morra sufocado. A compulsão depois de dieta muito restritiva é uma resposta parecida com este mecanismo: é um impulso de sobrevivência que o cérebro gera.
E aí, qual a solução?Pare de acreditar na dieta milagre que vai resolver tudo: ela não existe! Acredite em mim, já estou a mais de 20 anos estudando alimentos, nutrição, metabolismo, comportamento, etc... O comportamento é tão importante quanto o nutriente!
1- Não faça dieta!Também não coloque seu filho de dieta porque você acha que ele tem quilinhos a mais. Você poderá gerar muita ansiedade e risco de compulsões futuras na adolescência. Respeite sua fome e a do seu filho, ensine ele a comer quando estiver com fome e parar quando acabar a fome. Também ensine a comer devagar, sentado, a planejar refeições saudáveis, melhorar sua qualidade alimentar, etc...
2-
Pare de se culpar por falta de disciplina, e veja o problema por outro lado: entenda que seu peso é a consequência e não a causa do seu problema. Não foque no número na balança, foque no seu estado de saúde e bem-estar.
3-Procure ajuda personalizada, pois cada caso é um caso.
Se você já tiver feito muitas dietas e vivenciado o efeito sanfona, paciência e reeducação alimentar serão necessários. Isto com alimentos verdadeiros e uma reeducação do seu comer intuitivo ou consciente: “
mindful eating” é o caminho.
Se você tiver compulsões, procure a ajuda de médicos, nutricionistas e psicólogos especializados em transtornos alimentares.
Se você tiver obesidade, faça um check-up para avaliar se existem alterações metabólicas ou dificuldades como apneia do sono: procure um médico.
Mas cuidado! Pense duas vezes quando te oferecem uma dieta muito restritiva, ok?
O único dono da sua fome é você, não deixe ninguém tomar decisões sobre ela.
Pronto, falei!
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