Nutrição
Em defesa do prazer de comer
Por Marle Alvarenga, nutricionista
Você com certeza já ouviu a infame frase “tudo que é bom engorda”, uma de minhas mais odiadas. Se assim for, a vida é realmente cruel: ou estamos fadados a comer só coisas ruins, ou seremos fatalmente obesos se comermos coisas gostosas!
Nós do GENTA procuramos ser uma voz diferente no meio da medicalização da comida, do “nutricionista policial” e em defesa do prazer em comer. Já escrevemos algo por aqui também, e poderíamos discutir várias razões sociais, emocionais e culturais para isto; mas, se você acha que fica só por aqui, saiba que há também razões de SAÚDE para comer com prazer.
Pense nas suas atitudes com a comida:
1) Sorvete combina melhor com que?
a) delicioso b) engorda
2) Bolo de chocolate combina melhor com que?
a) festa b) culpa
3) Se você estiver de férias e tiver que escolher um hotel, com refeições inclusas - você comeria no hotel e não haveria diferença de preço - quais dos dois você escolheria?
a) Hotel luxuoso com comida “média”
b) Hotel “médio” com comida excelente
Você acha que a resposta a estas perguntas pode fazer diferença para sua saúde? Pois saiba que sim! Esta é uma discussão de um artigo muito interessante com resultados de um estudo coordenado por Paul Rozin, com quem tive o prazer de estudar durante três meses na Universidade da Pensilvânia, um psicólogo americano dedicado ao estudo da relação das pessoas com a comida (Rozin et al.,1999).
A premissa do estudo é a de que diferentes atitudes em relação à comida, especialmente as comparações entre prazer versus stress/preocupação podem contribuir para a saúde. Para isto, perguntas como estas acima foram utilizadas para comparar as atitudes alimentares de americanos, franceses, japoneses e belgas. Os autores concluíram que as mulheres foram sempre menos orientadas ao prazer - especialmente as americanas; e que os homens franceses foram o grupo mais orientado à comida/prazer/culinária.
Estes resultados são usados para discutir uma possível explicação ao “paradoxo francês”, uma terminologia usada para explicar o fato de que os franceses, mesmo comendo mais manteiga, vinho, carne, creme, chocolate em sua cozinha, valorizando mais a culinária, mais orientados ao prazer em comer... Tem menores taxas de obesidade e doenças crônicas quando comparados aos americanos, por exemplo. Muitas publicações se dedicam a buscar explicações no consumo deste grupo (“serão os fitosteróis do vinho?”), ou em sua prática de atividade física. Sem desconsiderar estes fatores, os autores propõem: não será a sua atitude em relação à comida? Se o estresse é sabidamente um desencadeador de doenças (e uma atitude positiva em relação à vida um promotor de saúde), porque o estresse em relação á comida não pode ter também um papel prejudicial e o prazer em comer um papel protetor?
O artigo traz, em outras, a seguintes conclusões:
• Quando um dos principais aspectos da vida - comer - torna-se um fator de angústia e stress, efeitos negativos podem ser vistos sobre sistema imune e cardiovascular;
• A angústia dos americanos e sua obsessão por alimentos saudáveis podem ser contra-produtivas, produzindo reduções substanciais na qualidade e duração da vida;
• Devem-se analisar cuidadosamente os prós e contras de se recomendar dietas ou modificações alimentares com pouco ou nenhum benefício à saúde que podem trazer os custos da sensação de “fracasso” e aumentar a preocupação e a neura com a comida.
É preciso realmente refletir porque uma dos principais aspectos da vida se tornou algo tão complicado! A discussão é complexa e seria muito longa, mas é claro que a alimentação mudou muito nas últimas décadas – por razões de globalização, industrialização, urbanização – mas também pelos significados que passaram a ser atribuídos ao comer; estes foram além da necessidade e prazer (e outros positivos) para significados negativos como culpa, medo, neura.
Infelizmente nos parece que por aqui, copiamos muito mais as neuras americanas do que o foco hedonista dos franceses. Nunca falamos tanto de alimentação e nutrição, as pessoas nunca tiveram tanto acesso à informação nesta área, e ao mesmo tempo nunca estivemos tão pouco saudáveis – clínica e emocionalmente!
O que comemos importa, é claro; mas somos seres complexos (biopsicossociais) COMO comemos, COM QUEM comemos, COMO comemos, PORQUE comemos, o que ACREDITAMOS sobre o que comemos, o que PENSAMOS e o que SENTIMOS sobre a comida, faz toda diferença!!
Para saber mais:
• Rozin P, Fischler C, Imada S, Sarubin A, Wrzesniewski A. (1999) Attitudes to food and the role of food in life in the USA, Japan, Flemish Belgium and France: possible implications for the diet-health debate. Appetite, 33, 163-80.
• Rozin et al. (1996). Lay american conceptions of nutrition: dose insensivity, cathegorical thinking, contagion, and monotonic mind. Health psychology, 15(6):438-447.
• Rozin P, Kabnick K, Pete E, Fischler C, Shields C. (2003). The ecology of eating: Part of the French paradox results from lower food intake in French than Americans, because of smaller portion sizes. Psychological Science, 14, 450-454.
• Rozin P, Fischler C, Shields C, Masson E. (2006) Attitudes towards large numbers of choices in the food domain: a cross-cultural study of five countries in Europe and the USA. Appetite, 46: 304-8.
• Drewnowski et al. (1996). Diet quality and dietary diversity in France: implications for the French paradox. J Am Diet Assoc 1996, 96:663-69.
• Alvarenga e Philippi. Estrutura, padrão, consumo e atitude alimentar: conceito e aplicações nos transtornos alimentares. IN: Alvarenga et al. Nutrição e transtornos alimentares – avaliação e tratamento. São Paulo: Manole, 2010.
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