Sentença de vida
Nutrição

Sentença de vida



Por Manoela Figueiredo, nutricionista

A maioria das mães e dos pais querem o melhor para seus filhos e cuidam deles com a melhor das intenções, com muito amor e carinho. O que muitos pais não sabem é que as palavras ditas aos filhos são muito fortes e poderosas. Têm o poder de marcá-los para toda a vida.

Vivemos hoje uma situação complexa com muitas crianças e adolescentes passando por tratamentos radicais para perda de peso. Seguem prescrições e planos alimentares rígidos. O que me espanta é o quão pouco os profissionais de saúde (médicos, terapeutas e nutricionistas) orientam os pais quanto ao COMO se deve falar com eles sobre o excesso de peso.

Meu objetivo hoje aqui não é discutir o quanto essas dietas não funcionam (porque elas não funcionam mesmo, e nem vão começar a funcionar, apesar de infelizmente ainda serem um modelo que continua a ser seguido). Porém, eu penso que sempre há alternativas para ajudar as pessoas e os profissionais a repensarem seu discurso. Então minha intenção é convidá-los a refletir sobre o texto abaixo, traduzido do NY Times:


"Quando minha primeira 'barriguinha' apareceu eu tinha sete anos. O que posso dizer? Eu gostava de comida; e comia o que eu queria pelo sabor. Eu era 'incentivado' por uma senhora, vizinha, que achava a minha 'pochete' a coisa mais fofa do mundo. Quando o neto dela estava em casa, me convidavam para brincar. Vez ou outra ela dizia maravilhas da minha região abdominal, as vezes dando um tapinha carinhoso. E ela me enchia de doces e gostosuras.

Eu nunca quis que ela parasse ou me senti constrangido, eu também gostava da minha barriga. Eu gostava do meu corpo, ou pelo menos não o odiava naquela época.

Em casa as coisas eram diferentes. Três das outras quatro pessoas da minha família achavam que o meu peso era abominável, e a quarta, meu pai, não estava nem aí. Para ele o que importava era a mente, não o corpo.

Os outros viam minha gordura como um alvo. Minha barriga recebia murros, meus peitos de menino obeso eram apertados e beliscados, meu corpo era literalmente esmurrado e uma avalanche diária de abuso verbal era direcionada a mim. Tudo isso pelo que? Nove quilos a mais.

A punição ía muito além e não se encaixava com o meu suposto crime. Esses ataques tornaram ainda mais difícil de absorver a mensagem sobre mim que meu pai estava me dando.

Então, numa manhã, colocaram na minha frente uma torrada integral seca e um copo de leite desnatado, que até hoje para mim tem o gosto de água. Minha mãe disse: 'Josh está de dieta', uma notícia que desencadeou um acesso de gargalhadas dos meus irmãos maiores, pareciam hienas. Eu comi a torrada, mas não tomei o leite.



No momento em que eu chegava na escola, comia tudo o que via pela frente e ainda os restos dos meus colegas. Cheguei a comer comida do lixo uma vez. Eu não estava com fome. Eu estava com raiva. Eu estava desafiando. Meus novos quilos enfureciam ainda mais meus irmãos e minha mãe.

Com onze anos, minha mãe me mandou para um fat camp (um acampamento voltado para crianças e adolescentes obesos – bastante comum nos Estados Unidos). Depois de dois dias de saudades, comecei a me divertir. Pela primeira vez me senti livre para ser quem eu realmente era, um jovem interessado pela vida, obcecado com as palavras e pela música, me sentindo em casa no meu próprio mundo interior, que era colorido.

As outras crianças eram legais, algumas comiam pasta de dente. Algumas fugiam para cidade para comprar sorvete e eram expulsas. Eu fiquei na minha, escolhi um nome diferente para mim e emagreci dez quilos em oito semanas.

Eu retornei à indignação. Eu não entendia – perdi peso porque não nos davam comida suficiente e nos faziam correr o dia inteiro. Eu não me dei um tapinha nas costas de comemoração.

Logo percebi que os vizinhos comentavam sobre mim – se quiser amigos nessa cidade, se quiser ser aplaudido, continue magro. Duas semanas após minha volta, uma vizinha se aproximou e disse que eu era bonito. Foi a deixa, é isso, ser magro estava na moda, e magro eu iria continuar a ser.

Porém, o peso começou a aumentar de novo, lógico; eu não tinha aprendido nada sobre moderação ou atividade física. Os comentários recomeçaram. Eu entrei em pânico, comecei a fazer jejuns de um a dois dias e praticar lutas, algo que eu odiava.

Mais dois anos se passaram até que meu dedo tocou intencionalmente minha garganta pela primeira vez, a primeira de milhares, e funcionou... Quando eu me formei no ensino médio, eu pesava 62 quilos, com 1,70m e uma cintura de 73cm. Eu estava vomitando de três a quatro vezes ao dia, todos os dias. E o monstro que ninguém vê também tinha nascido, assim como a obsessão com a aparência. Eu continuei assim até os 23 anos, mudei para longe de casa e comecei a me tratar. Depois de alguns começos e recaídas, consegui um dia de liberdade – sem vomitar, e depois outro, e outro. Comecei até a ajudar outras pessoas a se tratarem. Mas eu ainda sentia muita raiva e recomecei de novo. Então vieram as consequências – US$5.000,00 para reconstruir meus dentes destruídos durante anos pelo suco gástrico do meu estômago.

Finalmente, parei e continuei assim quando mudei meu vício para a paz. Paz com meu corpo, paz com as outras pessoas, paz com a maneira como minha vida tinha acontecido. Muitas vezes é mais fácil falar do que fazer. Mas orações e meditação, antes e agora, foram a chave, além de me cercar de amigos que me apoiaram e me distanciar das pessoas que me incentivavam à doença, como uma namorada que durante uma intensa discussão via mensagem de texto me escreveu: 'vá vomitar'.

Mesmo estando com um peso saudável, eu sempre me olho no espelho e vejo um gordinho. Porém, a grande mudança é que eu parei de tentar arrumar ou consertar. A aparência do meu corpo é como é, assim como é ser canhoto. Quando começo a me sentir feio, vou fazer algo para alguém, tirar a neve de carros, dar comida a um mendigo e coisas assim. Quando faço isso, volto a sentir o quanto minha aparência não importa.

Eu não tenho um filho, mas ainda espero ter. E se algum dia eu for pai e meu filho ganhar muito peso, eu vou encorajá-lo a fazer esportes, ou tocar um instrumento ou fazer o que ele puder para não compensar na comida. Se seus familiares ou amigos o provocarem ou tirarem sarro dele, eu vou interferir, não farei uma conspiração para humilhá-lo e torturá-lo. Se meu filho me pedir 'pai, acho que gostaria de perder um pouco de peso', eu vou estimulá-lo a uma vida saudável, vou levá-lo à quadra de basquete ou a uma aula de boxe, o que ele gostar, e vou ensiná-lo mais sobre a comida, sobre quantidade e variedade; vou ensiná-lo a não prestar tanta atenção em quanto ele pesa na balança, mas sim em como cuidar do corpo físico e emocional e a andar sempre com a cabeça erguida, independente de seu peso.

Se alguém ferir seus sentimentos falando sobre seu corpo e seu tamanho, conversarei com ele sobre como as pessoas estigmatizam e se sentem desconfortáveis com as pessoas gordas porque as veem como largadas, acomodadas, incompetentes e feias, mas vou contar para ele que as pessoas obesas não são inerentemente assim e que pessoas – independente do seu peso – podem ter essas características. Vou contar que músculos e gordura são igualmente bons para o nosso corpo e são parte da incrível máquina que é o corpo humano. Vou dizer que não importa o quanto de ioga ou de arroz integral ele coma, ainda assim irá morrer um dia e que portanto deverá amar a si mesmo e a seu corpo, mesmo que ninguém mais o ame.

Eu vou dizer a ele: 'Escute seu pai, filho'."


(Leia o texto original, "What I’d say to my fat son", de Joshua Max, aqui).



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