Nutrição
Aniversário, comida e memória
Por Marle Alvarenga, nutricionista
No meu aniversário de 10 anos minha mãe fez um bolo sensacional: de uma casinha com telhado de barra de chocolate e um caminho de confeitos! Foi um sucesso entre os primos e vizinhos!
Também me lembro das festas com canudinhos recheados de salada de maionese (aqueles que você enrola a massa em formas de alumínio e frita) e coxinhas de massa de mandioca, que ela fazia passando a mandioca num moedor manual herdado da minha avó.
Cresci comendo isto nos aniversários da família, sem nenhuma crise, assim como também cresci comendo jiló (que amo!), nigagori, e catando maxixe de balde no sítio, e vendo minha avó degolar galinhas. Penso na sorte de ter uma avó que me ensinou a cozinhar e que fazia a melhor panqueca para o café da manhã - com geleia de uva (que ela fazia com a borra que sobrava da sua produção caseira de suco de uva). E da sorte de ter uma mãe que me colocou na cozinha desde cedo, e que sempre foi tão tranquila com a comida, passando saúde e afeto às colheradas cheias – e que o faz ainda hoje quando gosta de perguntar aos filhos o que eles querem comer para os almoços de família.
Penso na tristeza de ver hoje tantas pessoas completamente desconectadas da comida, sem boas memórias e cheias de neuras. Uma solução, como bem colocado no novo livro de Michael Pollan, é cozinhar*: uma solução para melhorar a saúde, estabelecer vínculos com a família e amigos, ajudar o sistema alimentar, reduzir a dependência e aumentar autossuficiência, e ainda, aumentar nossa compreensão sobre o mundo e nosso papel dentro dele.
Assoprando minhas velinhas de aniversário, faço o pedido de que as pessoas se conectem de novo com a comida – com a comida e não com os nutrientes – e todos os seus amplos significados, colocando a mão na massa, saboreado e compartilhando o prazer, desta que, segundo Brillat-Savarin**,
“nos sustenta do nascimento a morte, aumenta as delícias do amor e a confiança da amizade, desarma o ódio, facilita os negócios e nos oferece, durante o curto trajeto da vida, o único gozo que por não ser seguido de fadiga nos repousa de todos os outros”.* Pollan M. Cozinhar – uma história natural da transformação. Intrínseca, 2014.
**Brillat-Savarin JA (1848). A Fisiologia do Gosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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