Em nome da "saúde"?
Nutrição

Em nome da "saúde"?



Por Cezar Vicente Jr. Nutricionista


Hoje o peso, em especial a gordura corporal, tornou-se a grande vilã da humanidade. Nesse cenário surgem sempre novos super-heróis para combater esse mal: os revolucionários métodos de emagrecimento.


No ano passado, o grande boomfoi a dieta enteral cetogênica ou dieta KEN (ketogenic enteral nutrition), popularizada como "dieta da noiva" (veja mais aqui).

De uma maneira bem simples ela é consiste na inserção de um tubo fino e flexível que entra pelo nariz da pessoa e que vai até o estômago, ou seja, uma sonda nasogástrica, que é ligada à uma máquina que bombeia um preparado em pó diluído em água diretamente para o estômago ao longo do dia. Durante esse período a pessoa não poderá comer nada pela boca, exceto água, chá e café.



Ela foi criada por médico italiano e também tem diversos profissionais da saúde que apoiam esse método.

Pensando nessa dieta lembrei-me dos pacientes que diariamente acompanho e que entram em desespero por precisarem uma sonda nasogástrica por alguma doença como câncer, disfagia, DPOC. Eles sempre contam do desconforto, da aparência de doente, da falta de sentir o gosto, a temperatura e a textura dos alimentos na boca. Só lembrando que a sonda é um dos últimos recursos utilizados em casos como os citados por justamente trazer esse sofrimento.

Voltando às dietas, recentemente foi publicado na internet um novo método! Ele é chamado Sistema Aspire Assit. Na prática é um equipamento inserido diretamente no estômago e que bombeia parte dos alimentos ingeridos do estômago direto para a privada. Assistindo o vídeo é possível ter uma noção maior de ele como ele funciona.



Refletindo um pouco sobre esse ‘sistema’ ele me remeteu a algo visto em paciente com transtornos alimentares, mas de uma maneira diferente como uma mescla de vômito e diarreia com auxílio de uma máquina.

Aparentemente não foi só eu que pensei dessa forma. Por exemplo, o comentário de um leitor deixado em uma dessas páginas com a matéria diz: “Existe um meio mais barato, não precisa fazer a operação para colocar tubos, não precisa comprar o equipamento, todos tem ou quase tem, o DEDO. É só colocar o dedo na goela após 5 minutos e pronto. Muito mais barato!”. Esse foi apenas um comentário de muitos similares.

Agora, por um instante avalie as situações:

·         Uma pessoa magra usando esse sistema / apresentando esse comportamento ela provavelmente seria diagnosticada com transtorno alimentar.
·         Uma pessoa gorda usando esse sistema / apresentando esse comportamento ela provavelmente seria parabenizada por estar cuidando da saúde dela.

A interpretação desses dois momentos é condicionada a apenas um fator: o peso. O comportamento de risco existe nos dois casos, mas em um ele é considerado muito ruim e em outro muito bom. Na literatura esse fenômeno é descrito como viés do peso (ou weight bias, em inglês). De uma maneira geral são situações, comportamentos, pensamentos que são avaliados de maneira diferente dependendo do peso/forma física da pessoa.



O viés do peso é tão grande ao ponto de ser prescrito comportamentos de transtornos alimentares para obesos? Estamos falando realmente de saúde?

Embora esses dois métodos pareçam extremamente absurdos para a maioria das pessoas, eles servem como uma seringa para injetar mais culpa nos obesos (como se fossem eles que tivessem se reunido e inventado essas dietas).

Alguns comentários que eu pude ler pela internet diziam algo como: “Prefere furar a barriga do comer menos e ir pra academia... Morre logo diabo!”; “Ir pra academia ninguém quer...”; “É melhor fazer esforço, povo preguiçoso!”; “Vc que é gordinho, toma vergonha na cara e vá fazer exercícios e se alimentar com qualidade...”...
Fica claro, o ódio é direcionado para as pessoas que são obesas e não para, por exemplo, os profissionais da saúde que inventaram esses métodos!

Entretanto, diante disso é muito provável que as pessoas obesas não queiram ser odiadas dessa forma, e muito provavelmente se submetam à métodos como estes para ficarem magras.

Então algumas questões ficam para refletir:

O que é mesmo saúde? É usar um cano no nariz ou uma torneira na barriga e ficar magro?
Emagrecer, mesmo sendo um obeso, é o mesmo que estar adotando comportamentos mais saudáveis?

Será que nós direta ou indiretamente não podemos estar estimulando as pessoas a utilizarem métodos como estes?

Sugestão: promova saúde ao invés de peso.





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