Nutrição
Síndrome alimentar noturna
Por Fernanda Pisciolaro, nutricionista
A Síndrome alimentar noturna (SAN) foi descrita, desde 1955, por Stunkard, a partir da observação do comportamento alimentar de obesos refratários ao tratamento para perda de peso, caracterizado por hiperfagia noturna, insônia e anorexia matinal. Atualmente associado a um atraso circadiano no padrão alimentar, mediado por alterações neuroendócrinas (uma dessincronização entre ritmo alimentar e o ritmo de sono/vigília), decorrente da mudança social e comportamental dos últimos anos (estresse). Os sintomas mais importantes são: falta de apetite matutino, hiperfagia com ingestão de maior valor energético após 19h, despertar no mínimo uma vez por noite para comer.
Há uma relação importante entre essa síndrome e doenças como obesidade e diabetes. Estima-se que entre 0,5 e 1,5% da população apresente características de SAN e os índices aumentam para até 14% em obesos e 42% nos obesos grau III.
Os critérios diagnósticos propostos atualmente são:
1-Significante aumento na ingestão no final da tarde ou à noite, caracterizado por:
- 25% da ingestão calórica depois do lanche da tarde
- ao menos dois episódios de comer noturno por semana
2-Os episódios de comer noturno são lembrados total ou parcialmente
3-Devem estar presente ao menos três dos itens abaixo:
- falta de apetite pela manhã e/ou omissão do desjejum em quatro dias da semana
- forte urgência para comer entre o jantar e a hora de dormir e/ou durante a noite
- insônia ou despertares noturnos frequentes em pelo menos quatro noites por semana
- acreditar que não conseguirá voltar a dormir se não comer
- humor deprimido/tristeza ou mau humor matinal
4- O comportamento causa grande impacto na vida social do indivíduo
5- O comportamento tem sido mantido por pelo menos três meses
6- A síndrome não é secundária a abuso de substâncias, a outra desordem conhecida, uso de medicações, ou outra patologia psiquiátrica.
Apesar da ampla discussão sobre a síndrome, os critérios diagnósticos não são universais, e não há consenso sobre o conjunto de sintomas que configuram o diagnóstico sindrômico, mas é consensual o atraso no padrão circadiano da alocação alimentar. O apetite se mantém diminuído na primeira metade do dia e aumentado no transcorrer do dia, associado à interrupção do sono para comer.
Os fatores neuroendócrinos se relacionam com alterações do ritmo circadiano de cortisol e melatonina. Há uma diminuição dos níveis de melatonina, dificuldade para adormecer ou manter-se dormindo, assim como má qualidade do sono. Associa-se também a níveis baixos de leptina no período noturno, que pode contribuir para menor inibição dos impulsos de fome e aumento dos níveis séricos do cortisol, sendo a síndrome, por esse motivo, também conhecida por transtorno do stress.
O tratamento pode envolver intervenções medicamentosas e comportamentais, sendo essas as mais usadas. Embora a SAN apresente comportamentos que podem ser confundidos com transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), há um período do dia específico para que os episódios de hiperfagia ocorram (exclusivamente noturnos), sendo caracterizados por uma ingestão exagerada, mas não compulsiva, não apresentando sensação de perda de controle ao comer. Além disso, na SAN existe a presença de falta de apetite matinal e fragmentação do sono.
As pesquisas das últimas décadas trouxeram duas lições importantes, ambas com forte impacto nos conceitos sobre este transtorno e na abordagem clínica. Em primeiro lugar, a valorização da contribuição genética para o início e manutenção dessa patologia, desmistificando crenças de que indivíduos obesos tivessem essa condição por falta de força de vontade, mas sim como portadores de uma vulnerabilidade genética. Em segundo lugar, o reconhecimento de que essa síndrome é um transtorno alimentar clinicamente significativo, que permite a avaliação e o planejamento do tratamento de forma mais racional e individualizada.
Referências1- Waterhouse J, Buckley P, Edwards B, Reilly T. Measurement of and some reasons for differences in eating habits between night and day workers. Chronobiol Int. 2003;20(6):1075-92
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3- Birketvedt GS, Sundsfjord J, Florholmen JR. Hypothalamic-pituitary-adrenal axis in the night eating syndrome. Am J Physiol Endocrinol Metab 2002;282(2):E366-9
4- Birketvedt GS, Florholmen JR, Sundsfjord J, Osterud B, Dinges D, Bilker W, Stunkard A. Behavior and neuroendocrine characteristics of the night-eating syndrome. JAMA 1999;282(7):657-63
5- Spaggiari MC, Granella F, Parrino L, Marchesi C, Mell I, Terzano MG. Nocturnal eating syndrome in adults. Sleep Med 1994;17(4):339-44
6- Martina Z, Melissa AB, Carlos HS, James EM. Night time eating: a review of the literature. Eur Eating Disord Rev. 2003;11(1):7-24
7- O’Reardon JP, Peshek A, Allinson KC. Night eating syndrome: diagnosis, epidemiology and management. CNS Drugs . 2005;19(12):997-1008
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