Nutrição
Profissionais de saúde não sabem identificar transtornos alimentares
Por Ana Carolina Pereira Costa, nutricionista
Essa constatação chocante – e, infelizmente, real – foi tema de uma reportagem da revista americana Glamour de abril. O texto começa com o depoimento de Kathryn, uma jovem de 31 anos que numa consulta médica disse ao “doutor” que não conseguia ter controle sobre sua alimentação, a ponto de seu peso chegar a flutuar 10kg. Além disso, ela contou que às vezes chegava a passar o dia todo em jejum e consequentemente comia demais à noite, precisando “compensar” depois (só faltou ela usar a palavra “vômito”, mas para um bom entendedor isso já é óbvio).
Respire fundo por um momento e pense no que você falaria para essa moça caso fosse o profissional ouvindo esse relato.
A resposta do médico? Ele riu e disse: “É só comer três refeições ao dia e parar de ser tão dramática”.
Dramática, de fato, é essa fala. Eu poderia escrever alguns parágrafos sobre o absurdo do profissional ter tido tão pouca compaixão diante da paciente, sobre o absurdo dele ter menosprezado a dificuldade que ela relatou. Eu poderia me indignar pelo fato dele não ter enxergado o óbvio: essa moça tem um transtorno alimentar! Mas daí eu parei, pensei e percebi que “o buraco é bem mais embaixo”:
1. O fato dela ter um transtorno alimentar é óbvio para mim, que estuda e trabalha com transtornos alimentares praticamente todos os dias. Médicos, nutricionistas e psicólogos normalmente não aprendem sobre transtornos alimentares na faculdade. No máximo, eles têm uma aula bem rasa sobre o assunto.
2. Muitas pessoas se engajam em comportamentos como estes e se sentem dessa forma diante da comida. Inclusive os próprios profissionais de saúde que deveriam estar tratando isso. E muita gente ainda acha isso normal (negrito).
3. Ainda existe muito estigma no que diz respeito aos transtornos alimentares. Muitos profissionais ainda acham que é “frescura, falta de força de vontade, falta de motivação”... “É só comer/parar de comer/parar de purgar e pronto, o que há de tão difícil nisso?”.
4. O estereótipo do que é um transtorno alimentar ainda atrapalha na identificação de novos casos. Muitas pessoas acreditam que anorexia/bulimia/compulsão alimentar é só isso aqui:
Pesquisas citadas pela reportagem, divulgadas pela
Alliance for Eating Disorders Awareness, constataram que 79% dos médicos não se sentem preparados para identificar transtornos alimentares, e de cada dez pessoas que têm a doença somente uma receberá tratamento adequado. Isso é muito triste, pois o tratamento dessas doenças é caro e de difícil acesso: requer múltiplos profissionais especializados e muitas vezes são necessários gastos com medicações/suplementos. E quanto mais se demora pra começar o tratamento, quanto mais se demora pra identificar a doença, pior é o prognóstico de cura.
Finalmente, a revista coloca cinco perguntas que os profissionais de saúde não especializados poderiam fazer a seus pacientes. Respostas positivas devem acender um alarme para um possível transtorno alimentar, e o paciente deve ser encaminhado assim que possível para um profissional especializado.
1. “Você chega a passar mal e vomitar quando se sente desconfortavelmente cheio?”
2. “Você acredita que perdeu o controle sobre quanto você come?”
3. “Você recentemente perdeu mais de 6kg num período de três meses?”
4. “Você acredita que está gorda mesmo quando outros dizem que isso não é verdade?”
5. “Você diria que a comida domina sua vida?”
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