Farda ou Jaleco?
Nutrição

Farda ou Jaleco?





Por Fernanda Timerman – Nutricionista

Outro dia ouvi isso de uma pessoa que estava sentada na mesa ao lado em um restaurante: “nutricionista deveria usar farda, não jaleco”! Estiquei minhas antenas para continuar ouvindo a conversa alheia, queria saber o porquê dessa frase. A mulher que a proferiu, disse que tinha ido em uma nutricionista que a proibiu de comer o que ela mais ama, chocolate branco. Ela replicou o discurso que ouviu da nutricionista: “ela disse que para ficar branco, o chocolate passa por um processo que extrai e utiliza somente a manteiga do cacau, tirando as propriedades benéficas e deixando a parte ruim - gordura e açúcar”!

Sabe-se lá o histórico dessa moça e as razões da nutricionista para “proibi-la” de comer o que mais ama. Proibir, de fato, é uma palavra muito forte, mas tem sido usada com cada vez mais frequência, e não só por nutricionistas, mas por vários outros profissionais da saúde, jornalistas e programas de TV que abordam o tema “alimentação”. A charge acima mostra um pouco essa realidade. Nós estamos invadindo casas e restaurantes nesses programas para fiscalizar ou decidir o que a pessoa vai ou não comer...

Nutricionistas que trabalham com transtornos alimentares, sabem o perigo e as consequências da palavra PROIBIR, por isso não a utilizam. Na verdade, temos que fazer o papel inverso das normas de privação mais comuns de rotular alimentos como bons x ruins, seguros x perigosos, permitidos x proibidos. Nosso grande esforço é mostrar que essas palavras imprimem uma força tão grande na vida de quem às emprega como doutrina, que deveriam ser repensadas na fala dos gurus da alimentação, os nutricionistas. Mas óbvio que falamos com viés de estarmos lidando com casos extremos. Sabemos que a outra ponta do iceberg, é bem maior e assusta muito mais – a obesidade. Assusta não só por questões de saúde, mas também e principalmente por razões estéticas. Ninguém quer ser gordo, e faz de tudo para ficar magro e acreditem, não precisa ter diagnóstico de transtorno alimentar para buscar maneiras nada saudáveis de chegar lá. Quem nunca fez uma dieta maluca? Quem nunca tomou um remedinho? Quem não foi correndo comprar a injeção mágica sem efeitos colaterais de diabetes que também emagrece?

Eu me questiono constantemente sobre minha profissão. Quem acompanha esse blog ou as atividades do Genta, sabe que não somos nutricionistas convencionais. Trabalhamos muito questões biopsicosociais da alimentação, tentamos ir além das propriedades fisiológicas do alimento, sabendo que ele tem funções além da “nutrição” do organismo. Mas hoje essas questões fisiológicas e funcionais da comida estão em voga, e a tendência é ouvirmos cada vez mais falar delas. Eu fiquei muito intrigada e quis conhecer esse lado da nutrição funcional, pois não trabalho só com transtornos alimentares, e tenho percebido uma exigência diferente dos pacientes. Não tem como virarmos as costas e também acho que faz parte da nossa profissão buscar aperfeiçoamento constante. Eu realmente aprendi muito sobre a função específica de cada nutriente no nosso organismo e como podemos manipular fórmulas que ajudam na melhora e na prevenção de sintomas de doenças que estão crescendo em progressão geométrica.  As pessoas querem resultados rápidos, soluções imediatas, fórmulas mágicas. Difícil achar alguém que tenha a consciência de que não vão mudar de uma hora para outra, um comportamento que vem criando durante toda uma vida. Difícil achar alguém com paciência. Quando você fala sobre sentimentos numa consulta nutricional, pode atrair ou espantar seu paciente. Aquele que quer emagrecer, e rápido, vai fugir  se não sair com uma prescrição na mão ou se tiver que se empenhar a fazer um diário alimentar de 1 semana. E provavelmente vai optar por experimentar a última novidade mais rápida (porém não mais eficaz) de perder peso. Óleo de coco é bom sim, mas você tem que entender onde ele se encaixa na sua rotina alimentar, o real benefício dele e a maneira como age no organismo.

Eu sei que a angústia de emagrecer é muito grande, que existem estudos promissores dos benefícios da suplementação e dos alimentos funcionais, e também sei que temos que dançar conforme a música, mas às vezes temos que fazer uma pausa para reflexão, como profissionais e como parte dessa sociedade. Gosto de conhecer para entender, portanto vi um outro lado da nutrição que pode ser muito bem vindo a minha prática de atendimento, aliado a abordagem que eu sempre priorizarei, do lado mais psicoemocional da alimentação. Não precisamos ser 8 ou 80 e nem rotular como bom x ruim, tudo cabe, a nutrição é uma profissão fascinante e podemos aliar conhecimento ao invés de segregar. Tudo é questão de harmonia, e isso se aplica a todos os nossos atos na vida. É possível explicar e persuadir o paciente a comer menos chocolate branco se ele tem uma dislipidemia e se ele realmente abusa. Mas também dá para encaixar o chocolate branco 1 vez por semana se ele gosta tanto e aí, ao invés de usar farda, o nutricionista pode voltar a usar jaleco!



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