De mulher pra Mulher...
Nutrição

De mulher pra Mulher...



Por Fernanda Timerman, nutricionista

Há umas 2 semanas, a rede de lojas Marisa lançou um comercial com o título "Homenagem". Nele, uma mulher magra vai agradecendo e homenageando os pepinos fatiados, baby cenouras, quinoas, chuchus e sopas ralas que fizeram as refeições dela menos alegres (!!!) mas que farão o verão dela mais feliz por causa do corpo que conquistou! Enquanto ela faz essa "homenagem", vai se olhando no espelho e se despindo até chegar em uma piscina onde um grupo de homens a devoram com os olhos!

Esse comercial incitou a fúria de feministas do grupo Femen que, agressivamente, quebraram uma das lojas Marisa em BH (veja aqui). Um protesto mais sutil e efetivo foi a petição online para descontinuar a veiculação dessa campanha e, com quase 600 assinaturas, cumpriu seu propósito e fez com que a Marisa fizesse, inclusive, um vídeo para "conversar" com as mulheres. Além disso, foi colocado um comunicado na fan-page da Marisa alegando que "o intuito foi mostrar, de forma bem-humorada, um tema tão recorrente entre algumas mulheres nesta época do ano, que é o desejo de estar bem com o seu corpo para encarar o verão....e reforça que a peça publicitária não teve em nenhum momento o objetivo de impor este ou aquele estereótipo, tampouco de encorajar a adoção de dietas radicais"...

Bom, isso não convenceu muito e obviamente é discutível. O conteúdo da propaganda encoraja claramente a adoção de dietas radicais e estereotipa sim as mulheres! Mas enfim, foi importante que a propaganda tenha sido retirada de circulação para mostrar que quando nos mobilizamos e protestamos de maneira coerente, conseguimos ser ouvidos! 

A questão que fica pendente é o mal estar com o nosso corpo que somos submetidos diariamente e que podemos revidar, teorizar e discutir. Vivemos numa era da imagem, onde não temos muito tempo para conhecer as pessoas e, portanto, nos julgam pela aparência. Inconscientemente associamos pessoas mais magras como sendo mais controladas, bem sucedidas e amadas (já que esse é o padrão vigente de beleza) e quem está acima do peso seria desleixado, excluído e mal-amado. Existem pesquisas muito sérias sobre o estigma da obesidade na nossa sociedade (presente inclusive entre profissionais da área de saúde) e obviamente, isso é fruto de pequenos fragmentos cotidiano como essa propaganda, por exemplo. Por isso a importância dessa movimentação da sociedade para a mídia, que pode parecer banal, afinal é só uma propaganda... mas que carrega consigo um conceito complexo que desemboca no sofrimento e conflito diários da maioria das mulheres!

Há um tempo, publiquei uma série de textos escritos por Magda Guimarães Khouri, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), no blog de outro grupo que faço parte (Grupo Corpo e Cultura) com o título "Corpos em evidência". Relendo-o, vi que faz todo o sentido colocar trechos neste post hoje, pois ele aprofunda essas questões com uma visão extremamente interessante:

" A exposição máxima do corpo na mídia, a busca pelas formas perfeitas e a redução de espaço entre público e privado esvaziam a sexualidade de seu sujeito, que, sem rumo, apóia-se na visibilidade máxima das superfícies corporais para ganhar identidade. Nas últimas décadas observa-se o crescimento, sem pausa, da exposição do corpo na mídia. A multiplicação de imagens segue o movimento de visibilidade máxima, em que o corpo parece não ter mais sombras, mais esconderijos. A ênfase em si mesmo o transforma em tela. Nessa concretização radical, o sujeito psíquico é jogado para outro plano e o corpo torna-se sua quase exclusiva marca identitária. Esvaziado do sujeito, passa a viver com certa autonomia, como se nele ninguém habitasse...."

Continuação: Formas Perfeitas
" Quase com vida própria, o corpo transforma-se em uma máquina que requer constante e exaustiva manutenção. Nesse sentido, o ideal do corpo perfeito é uma das presenças mais fortes no imaginário coletivo, que exige um preparo cuidadoso à custa de muita ginástica e dieta. É claro que diversas vantagens foram conquistadas com as técnicas de condicionamento físico, os produtos de beleza, as cirurgias plásticas que retardam o envelhecimento, podendo todos esses processos revigorar pele, cabelos, eliminar gorduras, oferecendo variados benefícios. Ocupar-se da beleza física deixou de ser tabu. 

Há nisso, porém, um deslizamento da ideia de cuidar de si, em nome da saúde e do bem-estar, para um culto ao corpo que aprisiona o sujeito, em uma corrida infinita pela completa perfeição. Somos bombardeados pela publicidade que promove a indústria da beleza, sem dar sossego. O que prevalece é o corpo-imagem, como o mais fiel indicador da verdade do sujeito. Estar em forma significa ser feliz, estar integrado socialmente e de bem com a vida.

Capturados pela cultura do corpo com a máscara da cultura de saúde, “o ego ideal”, herdeiro do narcisismo, tende a colocar a exigência estética no limite do inalcançável. Resultado: insatisfação crônica com o próprio corpo, tal a eficiência do superego sádico primitivo. Se não estiver sarado, siliconado, sem rugas, o corpo torna-se fonte de frustração e angústia. Aí está a armadilha: a busca pelas formas perfeitas parece cumprir a função de atender pretensamente à realização de fantasias primitivas de controle de nós mesmos, de oferecer garantias de autoconfiança e obtenção de prazeres, mas acabamos por ser traídos por aquilo que nos escapa, essa sede pulsante de vida biológica – o corpo – com as forças contraditórias que nos fazem defrontar com sentimentos de desamparo, dor e impotência diante das demandas constantes dos mundos interno e externo.....

Ainda com ênfase no corpo perfeito, hoje observamos que a transgressão desloca-se muito mais para o valor calórico do que para o campo sexual. Como disse uma adolescente a sua amiga: “É preciso ter coragem para pedir um milk-shake”. Os psicanalistas Fábio Herrmann e Marion Minerbo, no artigo “Creme e castigo”, publicado no livro Psicanálise fim de século (1998), mostram como os complexos morais migraram da sexualidade para a dieta, da cama para a cozinha e para a mesa. O que antes se expressava em termos de sexualidade agora parece ressurgir como moral dietética, conservando muitas regras e normas características do discurso sexual. Quanto de pecado tem uma barra de chocolate?" 

Para ler e saber mais:
http://www.corpomercadoriaecultura.com/1/post/2011/05/corpos-em-evidncia-por-magda-guimares-khouri-parte-1.html

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