Nutrição
Crítica
Por Fernanda Pisciolaro, nutricionista
Quino, o cartunista argentino e criador da Mafalda, fez a charge acima mostrando sua desilusão com os valores passados às crianças no mundo atual. Um ponto que me assusta muito é o fato de ser uma charge que tem sentido em qualquer lugar do mundo, o que torna essa realidade ainda mais triste.
Junto a isso, tenho visto também cada vez mais frequentemente, famílias que criticam muito mais do que elogiam, cobram muito mais do que ensinam, repassam responsabilidades a terceiros, e cobram de seus filhos valores que não foram ensinados a eles.
Ao lado desse rumo desolador de valores que estamos tomando, sugeriria ao cartunista mais um quadro: as famílias estão cada vez menos comendo juntas, cada vez menos preparando as suas refeições juntas e, portanto, cada vez menos conversando e trocando experiências durante o horário das refeições. Quando comem na mesma mesa, é comum ainda que se mantenham focados na televisão, telefone celular, Ipad, etc.
Fala-se muito mal da obesidade, das suas consequências clínicas e do quanto é esteticamente feio, criticando duramente características físicas, de forma que muitos acreditam que para serem aceitos precisam manter um corpo moldado com dietas extremas e exercícios exagerados, quando não com uso de substâncias que acelerem seus resultados e comportamentos inadequados para perda de peso, sem oferecer condições para que essas crianças e adolescentes aprendam a aceitar a diversidade de corpos, a fazer exercícios por prazer, independentemente do gasto calórico, a elogiar seus corpos sejam como forem, desenvolvendo, assim, indivíduos com baixa autoestima.
Além disso, exige-se deles que comam “melhor” e “sejam saudáveis”, um conceito absolutamente genérico, que pode ser entendido de diversas maneiras e tende a ser interpretado muito comumente como ingestão de baixas calorias, com mais frutas, legumes, verduras e aumento do consumo de produtos específicos (integrais, sem lactose, sem glúten, sem açúcar, sem gordura, sem sal, sem corantes, sem pesticidas, ...), que muitas vezes são desnecessários e até prejudiciais, favorecendo uma obsessão por comer alimentos considerados “certos” e evitar os “errados”, sem oferecer a eles oportunidade de gostar de comer, pensar criticamente sobre as escolhas que são feitas, sem cultivar valores culinários familiares que os represente.
As crianças e adolescentes têm, assim, vivido com referências corporais e alimentares aprendidas sob orientação das mídias e indústrias, perdendo a oportunidade de construir boas memórias alimentares e autoestima funcional, e a possibilidade de cuidar de si com prazer, sem cobranças exageradas, sem culpa, sem medo, sem julgamentos.
Os esforços para a mudança desse quadro têm que levar em conta a alta prevalência das sequelas negativas com a insatisfação corporal, o risco de desenvolvimento de obesidade, transtornos alimentares e episódios compulsivos, na busca não saudável pelo controle do peso. Um documento de 2008 da Sociedade Médica para Adolescentes formulou cinco recomendações básicas que podem ser adotadas na contramão desse quadro, que já foram abordados em outros posts do Genta:
1)Desencorajar dietas não saudáveis; em contrapartida, sempre estimular uma alimentação saudável, hábitos positivos e atividade física, com comportamentos que possam ser mantidos indefinidamente.
2)Promover uma imagem corporal positiva entre os adolescentes.
3)Encorajar a maior frequência de refeições familiares agradáveis.
4)Encorajar a família a falar menos sobre peso e fazer mais em casa para propiciar alimentação saudável e prática de atividade física.
5)Assumir que a maior parte dos adolescentes com sobrepeso passaram por situações de maus tratos e debater esse aspecto com os adolescentes e suas famílias.
Referência:
Dianne Neumark-Sztainer. Preventing obesity and eating disorders in adolescents: what can health care providers do? Journal of Adolescent Health 44: 2009. p.206–213.
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