Nutrição
A ponta do iceberg: sobre mindful e intuitive eating
Por Ana Carolina Pereira Costa, Fernanda Timerman e Ester Soares Paulino
Recentemente, é notável o destaque que temas como mindful eating (Comer com Atenção Plena*) e intuitive eating (Comer Intuitivo*) têm recebido por parte da mídia e de colegas nutricionistas simpatizantes a essas abordagens. Ficamos muito contentes que esses temas estejam em voga, pois fazem parte da nossa prática clínica (Genta) há muito tempo, e por isso decidimos criar, em parceria com a Equilibrium Consultoria, a Nutrição Comportamental para divulgar também essas técnicas, sempre tomando cuidado em manter o embasamento científico. Entretanto, estamos percebendo que, por vezes, tais assuntos surgem como se fossem a ponta de um iceberg, isto é, não estão sendo aprofundados como deveriam. O risco disso é os conceitos assumirem um caráter reducionista e se tornarem banalizados, descontextualizados daquilo que de fato significam.
O Comer Intuitivo é um modelo baseado em evidências para mudança comportamental criado por Evelyn Tribole e Elise Resch (Tribole; Resch, 2012). A proposta é ajudar as pessoas a confiarem na sua sabedoria corporal para atender às suas várias necessidades. Trata-se de uma abordagem que desconsidera a prática de dietas como possibilidade de mudança de comportamento. Seus 10 princípios básicos já foram explicados aqui. Já o Comer com Atenção Plena, segundo definição de Bays (2009), é “uma experiência que engaja todas as partes do nosso ser – corpo, mente e coração – na escolha e preparo da comida, bem como no ato de comê-la em si. Envolve todos os sentidos. O comer com atenção plena nos imerge nas cores, texturas, aromas, sabores e até mesmo sons do comer e beber. Permite que sejamos curiosos e até lúdicos enquanto investigamos nossas respostas à comida e nossos sinais internos de fome e saciedade.” Essa maneira de abordar o comer, com foco total no momento presente, vem do mindfulness (Atenção Plena), que pode ser definido como a capacidade intencional de trazer atenção ao momento presente sem julgamentos ou críticas, com uma atitude de abertura e curiosidade (Kabat-Zinn, 1990; Bauer-Wu, 2011).
Nós do Genta defendemos que tais abordagens não são “um meio para um fim”, isto é, não se tratam de estratégias e técnicas destinadas a emagrecer pessoas ou controlar o estresse das dietas restritivas. Sempre pontuamos que PESO não é COMPORTAMENTO, e sim uma possível consequência, mas nunca o foco! Reconhecemos que os conceitos dessas técnicas vão contra o que muitas vezes nós, nutricionistas em geral, pregamos/prescrevemos. Por exemplo: ao prescrevermos o que e quantoo indivíduo deve comer, já estaríamos indo contra os princípios básicos dessas técnicas, que visam o resgate da autonomia alimentar. Vejam como é complexo! Essas abordagens visam transformar nos níveis mais profundos a relação dos indivíduos com a comida e com sua alimentação. Acreditamos que, mais do que técnicas a serem estudadas, tais abordagens científicas devem fazer parte do próprio estilo de vida do nutricionista que deseja aplicá-las. Para um nutricionista usar os conceitos de Comer com Atenção Plena em sua atuação clínica, é indicado que ele próprio tenha experiência considerável com a prática de meditação mindfulness em sua vida pessoal. Existem algumas dicas que podem ser extraídas, como não ter distrações na hora da refeição, prestar atenção aos sinais internos de fome e saciedade, etc.; porém, isto é apenas comer consciente, e não o princípio total do Comer com Atenção Plena.
O Genta procura transmitir aqui em seu blog um olhar crítico e experiente sobre assuntos que aparecem sobre indústria da moda, indústria alimentícia, publicidade, transtornos alimentares, obesidade e sobre nutrição em si. Nossa opinião é parte de um trabalho muito mais profundo, fruto de muitos estudos e pesquisas – que sempre pautam nossa atuação e posicionamento. Portanto, esperamos que estas técnicas e modelos (Comer Intuitivo e Comer com Atenção Plena) continuem cada vez mais populares, mas sem desvio de seu real propósito, sem banalização como mais um instrumento para “perder peso” ou repassadas por outros profissionais sem o cuidado devido (de estudo, prática e profundidade) que essas técnicas merecem.
Para saber mais:
Bauer-Wu S. Leaves falling gently: living fully with serious & life-limiting illness through mindfulness, compassion and connectedness. Oakland: New Harbinger Publications Inc, 2011
Bays JC. Mindful eating: a guide to discovering a healthy and joyful relationship with food. Boston & London: Shambala, 2009.
Boudette R. Integrating mindfulness into the therapy hour. Eating Disorders, v. 19, n. 1, p. 108-115.
Kabat-Zinn J. Full catastrophe living: using the wisdom of your body to face stress, pain, and illness. New York: Delta, 1990.
Tribole E; Resch E. Intuitive eating: a revolutionary program that works (2012).
* As traduções para os termos mindful eating e intuitive eating aqui colocadas foram cunhadas pelos autores dos respectivos capítulos do livro Nutrição Comportamental (Alvarenga MS; Figueiredo M; Timerman F; Antonaccio C. Barueri: Manole, 2015), que será lançado no segundo semestre.
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